Artigo sobre ensino doméstico

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Fotografia: "Um dia de sol". Uma música composta pelas crianças na Florescer. Já foi interpretada ao vivo várias vezes, inclusive no Pinhão, para alegria de crianças e adultos. 

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Artigo do Jornal Sol. 30/09/2014."Quadruplicam alunos que têm aulas em casa"

"Foi o ensino doméstico que impediu Gonçalo, que hoje aos 20 anos estuda no prestigiado King's College, em Londres, de desistir de estudar no 9.º ano, quando vivia no Porto. “Ele ganhou fobia ao meio escolar, mas foi um inferno até conseguir que passasse a ter aulas em casa porque a escola não aprovava essa opção, apesar de estar prevista na lei”, conta ao SOL Cristina Marinho. Com os outros dois filhos, Lourenço, de 14 anos, e Dinis, de oito, o processo foi mais fácil e um e outro aprendem com professores em casa. Para o mais novo, Cristina até conseguiu que de manhã tivesse aulas no domicílio e à tarde fosse brincar no recreio de um colégio. Uma mudança que mostra a maior abertura e adesão de professores e pais a este modelo de ensino.

Lourenço, de 14 anos, estuda em casa, mas convive com outros adolescentes nas aulas de artes marciais

Nos últimos quatro anos, o número de alunos em ensino doméstico e individual disparou: no ano lectivo passado, havia 338 crianças e jovens inscritos nestas modalidades, enquanto em 2009/2010 eram apenas 82, segundo dados do Ministério da Educação e Ciência (MEC), a que o SOL teve acesso.

“Houve um boom na procura deste ensino”, reconhece Sofia Gallis, do Movimento Educação Livre (MEL), criado há três anos para ajudar os pais a conhecerem os modelos alternativos.

Segundo a legislação em vigor, é possível ter aulas em casa, dadas pelos pais e professores (ensino doméstico) ou só por explicadores particulares (ensino individual). Obrigatório é que as crianças sejam matriculadas numa escola, onde têm, depois, de realizar provas escritas no final de ciclo.

Sofia Gallis acredita que no futuro mais famílias portuguesas irão optar por esta via, por permitir currículos mais flexíveis e métodos menos rígidos e massificados. “Tenho cada vez mais pais a contactar-nos para dizer que quando os filhos tiverem idade querem iniciar os estudos em casa”, diz Sofia, referindo-se ao facto de a matrícula para o ensino doméstico só poder ser feita a partir do 1.º ano, por ser este o início da escolaridade obrigatória.

'Aprender ao seu ritmo'

Foi o que aconteceu com Ana, professora do ensino básico, que este ano, depois do filho concluir o pré-escolar num estabelecimento público no Algarve, decidiu mudá-lo para as aulas domésticas. “Durante o pré-escolar ele entrou em ansiedade, acordava de noite e tinha muitas angústias”, conta ao SOL a professora, que agora, ensina o filho de seis anos sem horários rígidos nem um programa curricular definido: “Ele aprende ao seu ritmo, de acordo com aquilo que mais o estimula. Já sabe ler muitas palavras, mas ainda não quer escrever com caneta, só no computador”.

Muitos dos frequentam este sistema de aulas no domicílio são filhos de professores e de outros licenciados. “A maioria dos pais tem formação superior”, diz ao SOL Álvaro Ribeiro, que está a concluir uma tese de doutoramento sobre o tema, tendo inquirido mais de 100 famílias. “São pessoas com um projecto educativo bem definido para os filhos e que acreditam que é melhor conseguido em casa”, adianta o professor da Universidade do Minho.

A falta de sociabilização é, no entanto, uma das maiores críticas a esta modalidade de ensino, porque os alunos são privados de um contacto diário com crianças da mesma idade. Mas para o MEL, os questionários feitos a 40 famílias do movimento mostram precisamente o contrário.

“Há a preocupação de combater o isolamento e muitas famílias organizam-se para fazerem passeios ou visitas de estudo”, nota Sofia Gallis, acrescentando que, nas respostas ao inquérito, os pais salientam que as crianças têm um maior convívio com pessoas de várias gerações. Além disso, alegam os pais, o facto de estudarem em casa não os impede de brincar com outros miúdos, havendo casos como o da professora na Universidade do Porto, Cristina Marinho, que conseguiu que o filho Dinis frequentasse o recreio de um colégio.

Portugal atrai famílias espanholas e alemãs

Portugal é um dos países europeus onde o ensino doméstico (com regras definidas em lei desde 1977) é mais liberal - a par do Reino Unido, Dinamarca, Rússia e Finlândia, por exemplo.

Por isso, é um dos destinos escolhidos por agregados familiares da Alemanha ou de Espanha, onde este tipo de modalidade tem mais restrições. “Temos recebido pedidos de informação de espanhóis, que querem saber as condições de ensino em Portugal e admitem mudar-se para cá”, garante Sofia Gallis. Além disso, segundo o SOL apurou, há famílias de alemães a viver no interior de Portugal, que colocaram os filhos neste tipo de ensino.

De acordo com os dados do MEC, a grande maioria dos 338 estudantes que no ano lectivo de 2013/2014 aprenderam à margem das escolas tiveram pelo menos uma disciplina dada por um familiar. Em todo o país, só 33 alunos frequentaram o ensino individual em que todas as matérias são leccionadas por professores contratados para o efeito.

Na região de Lisboa e Vale do Tejo havia 28 estudantes nesta situação e outros 149 aprenderam com a ajuda da família. Já no Algarve e Alentejo apenas se verificaram inscrições para o ensino doméstico - 34, no primeiro e 10 no segundo. Esta modalidade cativou ainda 112 crianças e jovens do Centro e Norte do país, onde apenas cinco se matricularam na modalidade em que o currículo é dado por explicadores privados.

“Sinto-me mais bem preparado e com mais interesse no estudo”, diz ao SOL Lourenço, de 14 anos, que desde o 5.º ano estuda em casa com a mãe e vários professores. Tem nove disciplinas e tanto pode ter uma aula num café emblemático no Porto como num centro comercial, o que o ajudou a melhorar as notas. “Subi de quatro para cinco a Inglês, a Matemática e até a Educação Visual”, conta, garantindo não sentir falta dos recreios por conviver com jovens da sua idade nas aulas de artes marciais que frequenta.

Apesar de o MEC não divulgar as classificações escolares destes alunos, a investigação de Álvaro Ribeiro promete ajudar a perceber se este tipo de ensino é eficaz: “Segundo a informação que tenho, na Língua Portuguesa e na Matemática as classificações destes estudantes estão acima da média nacional”, revela o investigador e professor da Universidade do Minho."

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